Série Conquistas
Nesta série iremos falar sobre a conquista de algumas das mais emblemáticas montanhas paranaenses. A série tentará seguir uma ordem cronológica, explicando como audazes montanhistas enfrentaram o poder da natureza para escrever seus nomes na história.
Era um inverno seco no ano de 1879, quando Joaquim Olympio de Miranda, conhecido como “Carmeliano” conseguiu reunir a logística necessária para enfrentar a Mata Atlântica. Seu intento era andar num terreno nunca antes pisado, mas que povoava a imaginação dele e de tantos outros que tinham o Conjunto Marumbi como seu pano de fundo. Pessoas simples vivendo nas pacatas cercanias de Morretes e Porto de Cima.
Uma série de ocorrências positivas fez com que Carmeliano conseguisse o seu intento de alcançar o ponto mais alto daquelas montanhas.
Com o advento da Ferrovia Paranaguá- Curitiba, picadas e estradas foram abertas no meio da floresta, favorecendo o deslocamento serra acima. Além disso, o percurso que a Ferrovia tomou passava exatamente aos pés daquela mística montanha. Carmeliano era boticário em Morretes (uma espécie de farmacêutico da época) e foi destacado para mudar o seu posto de trabalho para Porto de Cima, uma vez que as obras da Ferrovia já estavam em estágio avançado naquelas paragens e seria necessário um hospital de campanha para seus trabalhadores. Foi um prato cheio para Carmeliano, que conseguiu ficar cerca de 6 quilômetros mais perto de seu objetivo. Dali, conseguiria observar melhor uma possível rota para cima, planejando qual seria o melhor modo de alcançar o píncaro serrano.
A trajetória
Foram sete longos anos, onde Carmeliano estudou a logística. Sonhava com a tão esperada vista que teria lá de cima. Conversava com moradores e engenheiros. Observava as paredes altaneiras de granito com amigos, mateiros e trabalhadores através de um binóculo emprestado.
O que haveria lá em cima? Tesouros incalculáveis escondidos e feras inomináveis? Haveria uma lagoa preenchida de ouro como já havia ouvido falar tantas vezes em histórias contadas em noites quentes? Quem sabe espécies da flora que nunca haviam sido descobertas? Ele sonhava, enquanto outros riam de sua fantasia e de sua audácia em querer galgar uma muralha que até então achava-se intransponível. Afinal, o Marumbi era uma montanha mágica que não permitia ser escalada; enviando tempestades ou reveses a todo aquele que ousasse fazê-lo.
Quase uma década de planos adiados pelos implacáveis caprichos climáticos que ocorrem constantemente na Serra do Mar; a Montanha Azul não se deixaria vencer tão facilmente por esse atrevido homem.
Uma disputa formou-se neste período de preparação: Existia um outro grupo, liderado por Joaquim Antonio Coelho, que, discordando da rota definida por Joaquim Olympio, resolveu realizar o mesmo intento, porém por uma rota do lado oposto. Assim, estipularam uma aposta de quem chegaria lá antes. Com um aperto de mão e regras definidas, firmaram o ato.
No dia 17 de Agosto de 1879, Carmeliano, juntamente com outros três companheiros e Joaquim Coelho e os componentes de seu grupo, vislumbram a pacata Vila de Porto de Cima festejarem a partida das duas equipes com foguetórios, discursos e fanfarras. Um grande festejo para celebrar o intento.
Carregados com pesados sacos às costas e esbaforidos, subiam metro a metro com feijão, linguiça, toucinho, arroz, café e açúcar e todo tipo de mantimentos que seriam necessários para poderem levar a cabo a empreitada. Nas partes mais baixas e nos vales a água era retirada de riachos, mas nas partes altas eram as bromélias e taquaras suas fontes do precioso líquido.
Após chegarem ao campos do Boa Vista, Carmeliano e seus companheiros de aventura enxergaram a colossal pirâmide que o cume do Pico Marumbi apresenta. Estavam prestes a coroar seus esforços, porém, uma grande e íngreme muralha de pedra os separavam dos louros.
Desceram um pouco mais à frente. Fizeram o pouso em um local conhecido como Campo Bom Jardim, onde nasce o rio homônimo e partem no dia seguinte bem cedo para o ataque final.
Mais algumas horas e muito esforço. Os facões já não se ouviam tanto, pois o tilintar deles estava sendo substituído pelo entusiasmo e a gana da conquista. Mais um pouco, passo a passo, metro a metro acima. Então, todas as paredes foram superadas. Não havia mais nada acima de seus pés.
O Marumbi se dera por vencido por esses corajosos homens. Eles mereciam. O Marumbi fora conquistado.
O que viram
Não muito longe dali, em um cume próximo, Carmeliano e seus amigos puderam ver outras figuras humanas. Joaquim Antonio Coelho e seus companheiros também haviam conquistado outra grande proeminência: o cume da serra ao lado, o Morro do Leão.
Saudaram-se com os braços erguidos em V, símbolo de vitória. Uma salva de foguetes foram disparados em comemoração. Abraçaram-se efusivamente. Bandeiras brancas foram erigidas nos locais.
Após quatro dias de incansável luta contra as intempéries, relevo, clima e o cansaço; em 21 de Agosto de 1879, Joaquim Olympio Carmeliano de Miranda atinge o seu almejado sonho.
Como homenagem, seus amigos apelidam o ponto mais alto de Olimpo. Uma referência ao sobrenome de Joaquim Olympio de Miranda e à morada dos Deuses.
Em 04 de Junho de 1901, o Desembargador Ermelino de Leão promoveu uma ascensão ao Pico do Marumbi (a terceira) para hastear pela primeira vez a Bandeira Nacional no ápice daquela montanha. Em 16 de Julho de 1902, nova expedição para implantar uma cruz. Em 11 de Agosto do mesmo ano, surgiu a primeira montanhista do país: Hercília Pinheiro Lima, com então 13 anos de idade.
Nascia aqui a paixão que muitos nutrem até hoje. Esses que ousam enfrentar o Marumbi carregam em si a audácia e o amor pelas montanhas paranaenses. Quem sobe os 1539 metros até o cume do Pico Marumbi/Olimpo, mantém acesa a chama que um dia Carmeliano carregou.
Estava aberto o início do Montanhismo Brasileiro.
Sensacional! Um capitulo memorável de nossa história! Parabéns pelo excelente post Papael! Gde abraço!
Obrigado Itamar!
Abração!!!
Adorei a história, principalmente por saber que a menina desbravadora do Marumbi tinha apenas 13 anos (Hercília Pinheiro Lima), eu não conhecia a história dela, obrigada por partilhar conosco.
Legal né?
Em breve teremos mais histórias de outras montanhas.
Várias curiosidades legais.
🙂
Também gostei de ler a história dessa conquista, Papael! Muito bom! Acho interessante divulgar essas informações, pois a gente desconhece bastante coisa.
Parabéns pelo texto contando a história que muitos de nós desconhecíamos…Só quem já subiu as montanhas do Marumbi sabe qual o verdadeiro sentimento que nutrimos por essa imponente montanha e a Serra do mar num todo.
Excelente texto e história! Grata!
excelente post Papael , só gostaria de saber de saber de qual jornal foi retirada a imagem.
Olá Lucas. Ficamos felizes que você gostou e por seu interesse.
Sua pergunta foi maravilhosa por nos dar mais uma oportunidade de investigação sobre esse assunto.
A imagem se trata do Jornal “Província do Paraná”, de 22 de Agosto de 1879, edição nº 191; Redator- Proprietário José F. Pinheiro; mas acredito que talvez tenha sido uma “colagem”, pois o texto é de 1º de Setembro de 1880.
Caso você tenha interesse no texto na íntegra, escrito por Antonio Ribeiro de Macedo, pode clicar nesse link e ir direto para a página 179:
http://memoria.bn.br/pdf/402630/per402630_1990_00110.pdf
Caso você tenha interesse no conteúdo da edição nº 191 do “Jornal Província do Paraná” pode acessar esse link: http://memoria.bn.br/DocReader/704768/502
Caso você tenha interesse no conteúdo da edição nº 192 do “Jornal Província do Paraná”, um dia depois da ascensão, pode acessar esse link:
http://memoria.bn.br/DocReader/704768/506
Grande Abraço
orgulho de ser farmaceutico tambem e gostar de montanhas e ja ter feito o marumbi olimpo
Olá. Me chamo Anderson e gostaria de saber quem deu nome aos outros picos do complexo e se eles tem relação a alguma informação sobre eles.
Olá Anderson! Não foi apenas uma pessoa. Como vi que é um entusiasta do Marumbi, indico um livro ótimo escrito por uma das lendas do Marumbi, o nosso querido “Farofa”.
O nome do livro é “Nas Montanhas do Marumbi”. No livro, vc encontrará as narrativas, com trechos originais e apaixonantes de suas principais personalidades, descrevendo a emoção da abertura das principais vias de acesso aos seus picos, as conquistas de suas paredes rochosas, o pioneirismo, os esportes de montanha e sua evolução, o nascimento dos clubes de montanhismo e o socorrismo organizado, pioneiro no Brasil.