Série Conquistas
Nesta série iremos falar sobre a conquista de algumas das mais emblemáticas montanhas paranaenses. A série tentará seguir uma ordem cronológica, explicando como audazes montanhistas enfrentaram o poder da natureza para escrever seus nomes na história.
Joaquim “Carmeliano” Olimpio de Miranda, boticário, trabalhou no hospital de campanha de Porto de Cima. Conquistou o Pico do Marumbi em 21 de Agosto de 1879. Quando chegou lá em cima, avistaram um outro grupo que haviam subido o Morro do Leão. Leia mais…
Neste dia, saudaram-se, gritaram, soltaram foguetes e até atearam fogo no cume. Essas ações seriam as provas visíveis à distância de que conseguiram o seu intento de chegar ao ápice. Porém, havia um problema.
O cume do Pico do Marumbi não é visível de Porto de Cima – nesta época, Porto de Cima era muito mais estruturada social e economicamente do que Morretes, ou seja, os grandes vultos moravam ali e os grandes acontecimentos da época aconteciam neste grande centro: Porto de Cima.
Para sanar esse revés, na segunda expedição em 25 de Agosto do ano seguinte, Carmeliano resolveu colocar uma bandeira em um outro cume, mais próximo de Porto de Cima e, por consequência, visível dessa localidade.
Organizou uma expedição com 14 companheiros e, próximo ao Olimpo, seguiram pelo vale até chegar ao morro desejado. Dali, gozaram de uma vista incrível, podendo observar as vilas de São João e Porto de Cima, bem como todo o litoral. Enterraram um grande mastro com uma imensa bandeira branca e colocaram uma lâmina de metal em uma fresta, indicando o nome dos participantes e a data. Deram o nome à esse morro de São Sebastião – em homenagem ao padroeiro de Porto de Cima.
Este tipo de excursão foi realizada até 1938. Ou seja, durante quase 60 anos o Marumbi era escalado pela rota clássica da conquista. Até a chegada da Era Alemã. (vide parte 1)
As turmas no Marumbi estavam em polvorosa. A série de conquistas que o ano de 1940 proporcionava mexia com o entusiasmo de quem via esses intrépidos montanhistas galgarem um a um os mais altos pontos nunca dantes pisados daquelas serranias.
Uma vez que Henrique Zenkert, após um fenomenal tombo, mostrou a vereda correta para a Esfinge e, por sua vez, os locais como o Desfiladeiro das Lagrimas e o Apartamento nº 11 – uma grande rocha em forma de diamante entalada entre as paredes da Esfinge e a Ponta do Tigre – o quinteto Ina Claassen, Rosa Isenmann, Rudolf Stamm (futuro conquistador do Pico Paraná), Henrique Zenkert (conquistador da Esfinge) e Adalberto Thomsen (conquistador da Torre dos Sinos), partem em direção à um novo feito, embora, como a experiência fazia questão de mostrar-lhes; não havia conquista nas primeiras investidas e em apenas um dia isso estava fora de cogitação, portanto, dificilmente chegariam ao ponto almejado. Embora pouco confiantes, sabiam que era preciso galgar o máximo possível, ganhando metro a metro, final de semana após final de semana, cada palmo necessário até encontrarem o caminho definitivo que os levaria montanha acima.
Subiram pela já bem conhecida rota em direção ao Vale dos Perdidos. Ao chegarem ao Desfiladeiro das Lágrimas, pedras soltas advindas de uma avalanche tentaram interromper a marcha deste bravos desbravadores. Eles sabiam: cada passo era importante, porém perigoso; e desafiando o risco de vida, ultrapassam esse ponto, ora se agarrando em uma frágil vegetação ora se dependurando em imensos blocos de rocha solta. Atingem o Apartamento nº 11 – dali para frente o desconhecido os espreitava. A imensa rocha com silhueta de felino os ladeava silencioso esperando para o bote final. Com certeza olharam para trás e viram a imensa massa de pedra que dá forma ao Abrolhos – tal qual uma figura monstruosa contorcida espreitando furtivamente suas vítimas na Estação Marumbi.
Sacaram suas espadas, figuradas em afiados facões que perdiam facilmente o corte por conta da quantidade de sílica existente naquele tipo de vegetação cada vez mais vertical.
Uma grande parede os barrou. Seria o fim. Mas não naquele dia. O quinteto não se deixaria vencer a tão pouca distância de sua glória: poucos metros afastavam seus corpos cansados e surrados do cimo daquele píncaro.
Então, de alguma forma inexplicável e num ato de extrema bravura, apoiados um aos outros e num salto inigualável, os amigos transpõe mais uma barreira. Estão no cume da Ponta do Tigre. Olham os seus relógios, fazem apontamentos: são 17:30hs do dia 25 de Maio de 1940.
O Marumbinismo e as conquistas não eram prerrogativas puramente masculinas – Ina e Rosa estavam lá. Assim como Ana Henkel no Abrolhos dois anos antes.
Lágrimas de emoção devem ter corrido de seus olhos ao verem a imensa planície que se descortina à sua frente. Vislumbram as ilhas no mar. A noite cai silenciosa, apenas ferida por rajadas de ventos gélidos e pelo rápido corte do vôo das andorinhas. Vêem se acendendo pequenas luzes, primeiro Paranaguá, depois Antonina e por último Morretes: as três luzes do litoral que lentamente são tomadas por um estonteante Mar de Nuvens.
Armaram sua barraca e esperaram até meia-noite. Com ela viria a comemoração do aniversário de Ina que recebera seu nome escrito na história do Marumbinismo como presente de aniversário.
– Restava apenas um, o Gigante onde, logo após a conquista da Ponta do Tigre, os noticiários da época anunciavam: “… Agora resta apenas o Gigante, órfão do grupo Marumbi, e o maior em extensão entre seus irmãos. Quem será o primeiro a dominar esse colosso que espera ser acordado?…” –
O mesmo grupo que havia conquistado a Ponta do Tigre, um mês depois, realizou o intento de chegar no derradeiro cume. Foram assaltados por grande tempestade e resolveram abortar e tentarem novamente em um final de semana com o tempo mais propicio. Acertaram para se encontrar em 14 de Julho de 1940, mas contratempos não permitiram que o grupo se unisse naquele fim de semana. Alfredo Myssing – o mesmo que iria conquistar o Pico Paraná exatamente um ano depois – não aguentou esperar por mais uma semana e, impaciente, se viu subindo em direção ao Desfiladeiro das Lágrimas junto à Geraldo Epp. Desviaram a Ponta do Tigre e sentiram seus corpos serem rasgados pela tão conhecida vegetação de quem galga essas paragens. Alguns minutos depois, se veem subindo a encosta final e, jubilosos, se abraçam e gritam entusiasmados pela conquista. Enfim, o Gigante foi vencido!
Fato curioso, que explica a narrativa inicial deste texto:
Ao chegarem no cume e se cumprimentarem pela conquista do último irmão do conjunto, seguiram um rito que remonta às primeiras conquistas: Escreveram seus nomes e a data em um papel e o colocaram dentro de uma garrafa. Ao colocar o vidro dentro de uma fresta no cume da montanha, ouviram um som de metal. Procuraram melhor o objeto em questão. Estupefatos, descobrem entre o solo formado de grandes grão de areia e terra fofa, uma lâmina metálica. Ao passarem a mão na lâmina para retirar o material que impedia de vislumbrarem o que estava escrito, viram surgir letras e nomes no magnífico objeto: “Deixaram aqui esta lâmina: José Ribeiro de Macedo, Antônio Pereira da Silva, José Antônio Teixeira, José Ferreira Gomes, Joaquim Olimpio Miranda e Pedro Viriato de Souza. Em 26 de agosto de 1880”. Ou seja, como dito nas linhas iniciais, era a lâmina da conquista do Morro São Sebastião para a colocação da bandeira que seria visível de Porto de Cima.
Então Myssing e Epp não tiveram dúvidas: Reabriram a garrafa e retificaram a informação do papel, provavelmente com um “Não fomos os primeiros a estar aqui”. O retorno foi realizado por uma trilha de ligação feita pela dupla, entre o Gigante e o Olimpo.
A lâmina foi entregue a Rudolfo Stamm, que a doou para o Museu Paranaense. Infelizmente, após esse ato, o objeto nunca mais foi visto.
Agradeço aqui ao trabalho esplendoroso de Nelson Luiz Penteado Alves – O Farofa- explícito magistralmente em seu livro “As Montanhas do Marumbi” – 2008. Um dos meus livros de cabeceira, item indispensável para a escrita destas histórias realizadas pelos notórios e respeitáveis montanhistas da Velha Guarda e também peça chave para a escrita das minhas próprias histórias realizadas no Marumbi.
Quantas horas passei debruçado neste livro tentando sugar todo o conhecimento que algumas linhas detinham para que eu pudesse chegar a lugares “guardados” no Marumbi.
Ainda, agradeço à Roberto Manoel Carneiro – O Robertinho – grande amigo de aventuras, jornadas, enrascadas e histórias. Traçamos nossos nomes na história do Marumbi, embora ele tenha começado o trabalho antes, na década de 70. Suas histórias contadas à mim e outras vividas junto dele estão escondidas, mas presentes nessas linhas. À ele, devo minha inserção no Marumbi e meu reconhecimento como Marumbinista, orgulho esse que carrego, quase que como um troféu, em meu apelido. Todos os montanhistas, quando reconhecidos como Marumbinistas, o fazem. Afinal, traçaram para a posteridade seu apelido ao lado de tantos outros grandes ilustres. É uma verdadeira honra!
Mas isso é assunto para outra história…