Fazia muito tempo que estava afastada do Yoga, da medicina ayurvédica e da meditação. No tempo que praticava tudo isso não me sentia preparada para ir à Índia, mas desta vez surgiu a oportunidade de dar uma “esticadinha” pelo norte da Índia. E por que não? Eu estaria no Nepal, ali do ladinho!
Não tinha muito tempo para decidir. Rabisquei no papel primeiramente só ir à Varanasi, diretamente de Kathmandu, mas não encontrei voos. Como tinha que passar por Delhi, fui incluindo o Taj Mahal aqui e Rishikesh acolá. Na primeira busca na internet achei um retiro de yoga de uma semana num Ashram, juntinho da nascente do Ganges e que se encaixava exatamente nas datas que eu dispunha.
“Puxa que sorte!”, pensei eu naquela hora. Na verdade isto tem outro nome: Sincronicidade. Nada no Universo é por acaso!
Engana-se quem pensa que a Índia respira o Yoga, mas lhe asseguro: Dentro de um Ashram se vive o Yoga 24 horas do dia. Ashram é um lugar onde se tem uma vida simples, disciplinada, saudável, ética e estruturada em prática de yoga, prática de pranayamas (respiração), dieta vegetariana e meditação.
Com certeza o lugar mais especial na Índia para o Yoga é Rishikesh, mundialmente conhecida como a Capital do Yoga. E era lá que eu escolhi ter um tempo só meu, desconectada do mundo (sem internet, televisão e celular) e conectada comigo mesma.
Quando cheguei em Rishikesh, já estava na Índia há mais de uma semana e confesso que, a esta altura da minha viagem, eu estava um pouco irritada com os indianos. Constantemente as pessoas me olhavam na rua como um bicho exótico, tiravam fotos de mim mesmo sem pedir, cobravam muito mais do que valia o produto ou serviço, sem contar o trânsito caótico com buzina pra cá, buzina pra lá. Foi um alívio quando o táxi que me levava para o Ashram foi se afastando da cidade e subindo as montanhas. Uau, aquela paz era tudo que eu queria!
Fui recebida e encaminhada para meu quarto, tudo muito simples e no maior silêncio. Não se falava das 20h30 até às 9h30 do dia seguinte. Todas as refeições eram no silêncio. As caminhadas das 10h30 eram em silêncio. Pedia-se para não conversar com o staff. Quando se podia falar: Sussurrava-se! Enfim o silêncio por fora era grande, mas os meus pensamentos já começavam a gritar. Para acalmá-los resolvi fazer um diário e foi muito especial. Quem sabe um dia possa virar um livro!
Voltando ao Ashram, a recém chegada (euzinha), foi conhecer o resto do local. O refeitório era bem ventilado com várias janelas abertas em arcos com vista para o rio Ganges. Para minha surpresa, no rio havia uma quantidade grande de botes fazendo rafting, com gente gritando e acenando o tempo todo. Eu já estava pronta para dar um tchauzinho, quando fui desencorajada a interagir com eles. Pensei comigo: “Posso falar?” – e engoli o riso.
No meio da tarde do primeiro dia todos nós, os alunos daquela semana de imersão nos encontramos pela primeira vez. Estávamos em 18 pessoas do mundo todo: Inglaterra, Suíça, México, Alemanha, Bélgica, Japão, Estados Unidos, Austrália, Portugal, França, Índia e Brasil, é claro! Para alguns era a primeira vez que tinham contato com o Yoga, mas havia aqueles que já praticavam – e muito! Tivemos a primeira reunião com a nossa mestra, a Lalita-Ji, que já foi avisando que ela não era um policial, mas com ela vieram todas as regras e horários que teríamos que cumprir. Já fui logo me voluntariando para bater o sino no dia seguinte, afinal sabia o significado do Karma Yoga.
O dia começava às 5h30 com meditação, seguida entoação de mantras, limpeza dos sinos nasais, pranaymas, aula de Hata Yoga e só às 9h00 da manhã o café da manhã.
Às 10h00 era a hora do Karma Yoga, um serviço altruísta que purifica o coração e promove mudanças nas nossas atitudes, ou seja, trabalho voluntário. Ali nossa prática de Karma Yoga seria limpar o Ashram. Era somente 30 minutos de mutirão, mas que me rendeu um capítulo à parte nessa semana. Dali, seguíamos para uma caminhada em mindfullness.
O mindfullness é um tipo de meditação em que se aprende a prestar atenção onde está a nossa mente e, se não estiver onde queremos, trazemos de volta.
Dessa maneira, caminhávamos à beira do rio Ganges (Mother Ganga): em silêncio, conscientes da nossa respiração e se os pensamentos viessem, era para deixar eles passarem, assim como tínhamos que ignorar o pessoal do rafting descia o rio gritando e acenando ali do nosso lado.
No início foi difícil, porque eu queria sair acenando, incentivando e curtindo o pessoal do rafting. No final dos 7 dias de imersão eu já conseguia me concentrar bem e não me fazia diferença a presença deles ali.
Voltávamos das caminhadas matinais muitas vezes direto para o refeitório almoçar, às 12h30. Detalhe: Além de fazer silêncio, a hora das refeições também era hora da sauna. A comida sempre tinha pimenta! Juntando a pimenta com o calor de mais de 40 graus, o suor escorria solto (inclusive pelo nariz – risos!). Mas como adoro pimenta, até repetia o prato!
Nosso horário livre era de 13h00 às 15h00. Na maior parte das vezes eu ia para o quarto tirar uma soneca, pois era a hora de maior calor do dia. E bota calor nisso! Para se ter uma pequena ideia do calor (não sei quantos graus) a qualquer hora que fosse colocar uma roupa, parecia que ela tinha sido passada com ferro quente naquele instante.
Às 15h00 tínhamos um bate papo com nossa mestra, tirávamos dúvidas e recebíamos alguns ensinamentos. Na sequência tínhamos a aula de Ashtanga Yoga, uma técnica de yoga mais ativa e forte, que seguia até às 17h30. Em todo final de prática tínhamos uma sessão de relaxamento muito gostosa, para abaixar a temperatura do corpo, assimilar os ensinamentos e acalmar a respiração.
Todos os dias logo após o pôr do sol, perto das 18h45, nos reuníamos ao redor do templo do Ashram para acompanhar a cerimônia de Aarti, que é um ritual onde a luz de lamparinas é oferecida demonstrando a gratidão à luz que nos ilumina todos os dias.
Da cerimônia do Aarti seguíamos (em silêncio) para a sala onde cantávamos kirtans e mantras, acompanhados de instrumentos musicais. Esclarecendo, os mantras são hinos métricos, em sânscrito, extraído dos milenares livros dos Vedas. Ele é entoado de forma repetida, numa estrutura rígida que garante que duas pessoas que não se conhecem cantem o mesmo mantra de forma idêntica. Já os kirtans são cantos mais simples muito usados como maneira de descontração e catarse. Aí sim podíamos botar a voz para fora! Saíamos dali com uma imensa sensação de bem-estar, amorosidade e fome! A cantoria sempre acabava perto das 19h30, hora de jantar (em silêncio).
Para fechar o dia, às 20h30 era hora da última prática do dia, meditação. Foram várias as técnicas que aprendemos. Na primeira prática de meditação sentou uma pessoa em posição de lótus. Uau! Nem no auge dos meus bons tempos de prática eu conseguia fazer aquilo. Permanecer com as pernas cruzadas tantas horas todos os dias – e ainda meditar, não seria uma tarefa fácil. Foi um alívio quando nossa mestre mostrou que poderíamos meditar sentados em cadeiras ou em almofadas acomodadas entre as pernas, utilizando o pool (um banquinho de madeira) e até mesmo poderíamos, dependendo da técnica e cansaço, meditar deitados.
Logo deu para perceber que a meditação precisa do yoga, assim como o yoga precisa da meditação. É tipo aquela questão: Não existe o ovo sem a galinha e não existe galinha sem o ovo!
Eu estava sozinha numa ala do Ashram, no quarto 47, no terceiro piso. Para ir para a sala de prática de Yoga tinha que descer uma escadaria, atravessar o pátio e subir outra escadaria. Para ir ao refeitório tinha que subir mais escadas (nada ergométricas), mas tinha atravessar o refeitório, descer um nível pegar os utensílios para comer e subir novamente para o refeitório para comer. Um sobe, desce e sobe escadas, parecia um “Nepali Flat” – vai entender melhor quem já fez as trilhas pelo Nepal.
Pensava trinta vezes antes de sair do quarto, para não esquecer nada. Não foram raras as vezes que tive que ir e vir, subir e descer, até que consegui me organizar melhor. O interessante que não fui só eu. No final da semana quando nos soltamos e pudemos conversar um pouco entre nós, percebi que todos foram alojados bem longe da sala de prática, tendo que subir e descer escadas o tempo todo. Nada era por acaso… Precisávamos aprender e praticar a disciplina e organização.
Meu segundo dia começou bem cedo, pois eu tinha que bater o sino para acordar o Ashram. Ele era tocado em três lugares diferentes para que todos pudessem escutar. Veio toda a rotina até a hora do Karma Yoga, às 10h00. Eu estava toda faceira, pois como eu já estava batendo o sino, no meu entendimento, eu já estava fazendo a minha parte. Nos reunimos no pátio central e Lalita-Ji começou pedindo 5 voluntários para limpar a sala de prática de Yoga. Eu fiquei quietinha com meus pensamentos, vendo para quem sobraria limpar o banheiro coletivo. Eis que de repente nossa mestre olha diretamente nos meus olhos e diz: “Você: Limpar o banheiro!”. Vixi, será que ela lia pensamento?
No terceiro dia pensei em ser voluntária para limpar a primeira coisa que a Lalita-Ji perguntasse, para fugir do banheiro. Mas ela começou perguntando quem estava no quarto 47. Levantei a mão e ela falou: “Limpar banheiro”. Novamente? Fui lá, afinal era o meu “carma”.
No quarto dia de Karma Yoga, nossa mestre começou o Karma Yoga perguntando: “quem está no quarto quarenta e…” Completei, levantando a mão: “sete, quarto 47” – era a única para aqueles lados. Sabe qual foi a ordem? “Limpar banheiro”. Todos riram e levei de boa. Acabei limpando banheiro todos os dias e foi muito significativo. Muitas vezes relutamos em limpar o banheiro da nossa alma e era isso que eu precisava fazer.
Enfim chegou o quinto dia e teríamos uma cerimônia junto ao Ganges. Sim, iríamos mergulhar no Ganges, um rio com tantos contrastes: Tão sagrado para os hindus e ao mesmo tempo muito poluído a partir de alguns trechos. Outro motivo para escolher Rishikesh, porque nesse ponto o rio está mais próximo da nascente, bem mais limpo. Começamos a cerimônia com nossa caminhada em mindfullness até uma praia a beira do rio. Chegando lá fizemos uma roda e, com uma flor nas mãos, entoamos o mantra: “Oh Ganga Mae”.
Dava para sentir a vibração do mantra dentro mim, impressionante! Aos poucos fomos sentando à beira da água e deixei-me molhar a primeira vez pelas águas do Ganges. Um sentimento diferente tomou conta de mim. Muitas mágoas vieram à tona e lágrimas escorreram no meu rosto. Naquela hora, banhada pelo Ganges, eu me senti sendo acalentada pela face feminina de Deus. Era a “Mother Ganga” me dizendo: “Eu compreendo sua dor, mas para seguir deste ponto você precisa perdoar. Isso só faz mal a você!”. Era hora de limpar o banheiro da minha alma! Foi nesse momento mágico que senti meu coração leve e pude, de verdade, PERDOAR a quem tanto me magoou no passado.
O que dizer depois disso? Eu poderia passar horas ou até mesmo dias contando para vocês as inúmeras outras coisas que vivi e resgatei por lá, muitos outros ensinamentos que aconteceram e que ainda estão acontecendo, mas resolvi parar por aqui. Quem sabe num outro momento eu escreva mais um pouquinho sobre essa semana tão intensa.
Sei que eu não poderia viver isolada num Ashram por muito tempo, mas estou tentando incorporar vários ensinamentos no meu dia a dia e seguir a vida com “a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo!“.
Shanti!
Fenomenal experiência Ana. Obrigada por compartilhar conosco e por ser está inspiração pra muita gente. Que Deus abençoe você sempre.
Obrigada Irene! Foi uma experiência fantástica que pretendo repetir!! Bjs
Que bom Ana. Perdoar nos liberta.🙏
Obrigada Pizzatto! O perdão é um exercício diário!! 😉 com certeza nos liberta.
Amei sua experiência e gostaria muito de ter a sua garra e coragem. Talvez por isso eu te admiro tanto. Sinceramente fico imaginando como você encontra tempo para viver a sua vida já que vive para realizar sonhos de outras pessoas. Pois bem, sou sua fã número 1. Amei sua experiência no Ashram. Gostaria de saber mais. É pedir muito: conte mais, Ana!!!
Obrigada pelo seu carinho e incentivo, Sandra! Quem sabe vamos juntas na próxima vez?
Ana, gratidão por compartilhar sua jornada! To pensando em ir também, a India sempre me chama de alguma forma. Quanto tempo você ficou na vivência em Rishikesh?
Olá! Que bom que foi útil para vc. Fiquei 9 dias em Rishikesh e tenho intenção de montar um grupo para lá. Vamos?
Ana, muito obrigada pela partilha. Penso viver a mesma experiencia em breve. 2 possivel passar o nome do Ashram por favor ?
Obrigada
Ola Ana
Estou procurando uma experiência como está. Gostaria de mais informações sobre este Ashram
Adorei seu relato pessoal. Ajuda em nossas próprias reflexões. Mas foi muito bom conhecer a rotina do Ashram. Muito obrigada! Era o que eu estava buscando na internet e vc foi muito clara, detalhista e objetiva.
Luz e paz!