Na véspera da nossa saída para a Travessia do Campo de Gelo Sul, no dia 10 de janeiro de 2018, fizemos uma reunião com a nossa equipe para verificação do equipamento e descobri que seríamos 8 pessoas, sendo 2 guias, 2 porteadores (carregadores) e 4 clientes.
Ali eu era uma cliente, juntamente com a Danielle, uma alpinista belga muito experiente em montanhas de altitude, a Melina, uma jovem suíça louca por montanhas nevadas e que estava iniciando um ano “sabático” e o Jaison, um coreano muito quieto e recluso, professor de finanças na universidade na Corea do Sul, cujo objetivo ali era a fotografia.
Teríamos 8 dias e 7 noites para vencer pouco mais de 90 km. A princípio, se o tempo estivesse bom seriam apenas 6 dias de caminhada, com 2 dias “extras” de reserva para administrar as condições climáticas ou aproveitar o tempo livre.
Nossa equipe
O guia principal chamava-se Pipa, uma pessoa quieta, focada nas decisões e sempre atento a tudo e a todos. Ele já perdeu a conta de quantas vezes já fez a Travessia do Campo de Gelo – e isso me deixava bastante segura. Tinha ainda o segundo guia, o Jere (Jeremias), que era um pouco mais descontraído, mas não menos focado. Para completar tínhamos 2 porteadores: O Juan e o Manu.
O Juan parecia um porra louca, sempre usava viseira com o cabelo desarrumado, sorridente, fazendo piada e contando histórias o tempo todo. Era a alegria da turma, nunca perdia o bom humor, mesmo carregando mais de 40 quilos. Isso mesmo: 40 quilos na mochila!! Isto porque nosso colega coreano o contratou para levar 15 kg, porém lhe deu 26kg. Além deste peso, ele tinha ainda que carregar seu próprio equipamento e a sua comida, o que resultou num peso absurdo.
Outro porteador foi o Manu (Manuel), estudante universitário de 23 anos com “dreads” dourados desde os 13 anos. Ele ainda tinha cara de bebê, apesar de sua pele já estar castigada pelo sol e frio da montanha. Manu estava ali apenas para uma temporada de verão e era a primeira vez que fazia a travessia. A Daniella e eu dividimos uma carga de 15 kg que o Manu foi contratado para carregar. Assim cada uma de nós deu 7,5 kg para ele carregar, o que deu um bom alivio na nossa carga. Mesmo assim só a minha mochila pesava 18 kg, porque tinha todo o equipamento extra de montanha, tais como Grampon, Piolet, botas e raquetes de neve, além da minha comida para os 8 dias de travessia.
Primeiro dia: 11/01/2018
Que frio gostoso na barriga! Havia chegado a hora iniciar a jornada ao Campo de Gelo Sul, porém a previsão do tempo não era das melhores para os primeiros dias de expedição naquela parte da Patagônia.
O volume de chuvas do verão de 2018 foi alto e a maioria dos rios estava acima do seu leito. Por isso nossos primeiros passos já foram molhados, pois tivemos que atravessar um riacho que normalmente estaria quase seco. Mas o tempo estava quente, lindo e ensolarado, contrariando as previsões.
O início da caminhada foi em ritmo acelerado, ainda em meio a floresta de lengas. Depois de 2h de caminhada as árvores sumiram, descortinando uma paisagem árida de montanhas rochosas de cumes nevados: Simplesmente deslumbrante!
Andamos mais algumas horas ao lado do rio Elétrictico e o clima foi mudando: O sol se escondeu, as nuvens foram nos cercando e o vento começou a dar o ar de sua graça.
Hora do primeiro grande desafio pelo Campo de Gelo Sul
Cruzar um rio de desgelo era uma coisa que não tinha pensado muito, pois sabia que não seria fácil e não gosto de sofrer por antecipação. Pipa foi na frente para verificar o melhor lugar para atravessarmos. Foram momentos tensos, pois o rio estava gélido e caudaloso.
Para atravessarmos esse rio tivemos que trocar as calças de caminhada pelas calças impermeáveis. Não havia nada em volta, nem uma árvore ou moita, nem mesmo uma pedra para nos escondermos. E foi ali mesmo do lado do rio, na frente de todos, que todos trocamos as calças.
Confesso que não foi fácil atravessar aquele rio, com água até o joelho. Fomos abraçados e em pares para que a correnteza não nos levasse. Os pés doíam muito por causa da baixíssima temperatura da água. Queria ter corrido, mas o leito de seixos rolados e a correnteza não permitiram. O que me confortou naquela hora é que nossa volta não seria por ali.
E chegou a chuva e ventos fortes
Ainda tivemos que subir e descer algumas pedras até chegar a uma praia com uma encosta abrigada, onde seria nosso acampamento. Mal deu tempo de montar o acampamento e começou a chover. E choveu… choveu muito, intermitentemente! E o vento, ah o vento… esse começou a mostrar o ar da sua graça em forma de rajadas fortes! Isso é a Patagônia!!
Foi a Primeira noite da Travessia do Campo de Gelo Sul. Até achei que não conseguiria dormir bem, mas me senti segura, com um bom equipamento, com boas cias de barraca, bons guias. Só São Pedro que resolveu ter crise de ciúme justo agora… mandando chuvas e vento.
Pensei que “Nada como um dia após o outro e uma noite no meio”… Que venha o segunda dia de caminhada, o qual vou contar no próximo episódio da “Travessia do Campo de Gelo Sul”.
Leia também o início da história:
e a continuação
Uau! Que história incrível, parece até um livro daqueles que lemos e relemos várias vezes sem cansar da história.
Ansiosa para os próximos capítulos!
Obrigada Carol!! Que bom que você gostou. Espero seus comentários nos próximo capítulos dessa aventura!!